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quarta-feira, 6 de maio de 2009

Entrevista com Heidi Backer

Sementes de esperança em terra seca

As diferenças entre os Estados Unidos da América e o pequeno Moçambique, no sudoeste da África, são tão gigantes que e a expressão "mundos diferentes" cabe como uma luva para definir o contraste entre os dois países. Com PIB de US$ 9 trilhões, os EUAsão a maior potência, locomotiva da economia global e um paraíso de riqueza, opulência e poder. Enquanto isso, Moçambique amarga uma das últimas posições no índice de desenvolvimento humano, que mede a qualidade de vida das nações do mundo. A expectativa de vida é de apenas 45 anos, o analfabetismo beira 60% da população. Miséria, fome e epidemias como a AIDS somam-se a catástrofes climáticas como as enchentes que devastaram, no ano passado, o pouco que fora reconstruído depois de 18 anos de guerra civil. Há ainda violência, corrupção generalizada e instabilidade política.

Por isso mesmo fica difícil entender porque uma cidadã americana resolveu fazer de Moçambique o seu lar e local de trabalho. Há 21 anos no país, a missionária Heidi Backer tem realizado lá um trabalho evangélico de grandes proporções. Em apenas três anos e meio, abriu mais de 1,2 mil igrejas. Seu ministério, chamado Igreja Comunhão na Colheita - que integra a missão Arco-Íris -, desenvolve, além do evangelismo, uma série de projetos sociais, como orfanato, distribuição de alimentos, fazendas comunitárias e programas de saúde e alfabetização. Os números expressivos são a consolidação de uma chamado que, ela conta, foi recebido diretamente de Cristo, num culto na América do Norte.

Heidi, casada com Rolland Baker - seu parceiro na direção do ministério-, dois filhos, esteve no Brasil pela primeira vez em maio de 2001. Aqui, contou suas experiências, falou do trabalho em Moçambique e pediu que os crentes do Brasil orem e ajudem aquele povo. As carências são enormes, mas uma, particularmente, afeta o trabalho de evangelização: a falta de literatura cristã e material de estubo bíblico em português. Com fortes vínculos históricos e culturais com Moçambique, a Igreja brasileira tem um importante papel a cumprir nesta missão. "Creio que Deus tem um plano com o povo do Brasil, especialmente em Moçambique", frisa Heidi, nesta entrevista a ECLÉSIA:

Como foi seu chamado missionário?

Logo que me converti, aos 16 anos, tive uma visão. Via uma forte luz, algo muito claro e bonito e comecei a ouvir Jesus falando comigo. Ele disse: "Tenho um ministério para lhe entregar. Estou chamando você para levar minha Palavra na África, Inglaterra e Ásia." Então, veio um poder muito grande sobre mim e comecei a falar em línguas, caí no chão e não conseguia me segurar. Depois dessa experiência comecei a pregar.

A senhora foi logo para o campo missionário?

Não imediatamente. Senti que tinha necessidade de me preparar. Fiz seminário. Junto com meu marido, fomos para um período de treinamento na Indonésia. Depois, ficamos 12 anos em Hong Kong e viajando em trabalhos pela Ásia. Abrimos igrejas e fundamos escolas para estudar a Bíblia. Mais tarde, fiz doutorado em teologia na Inglaterra e começamos um ministério com pessoas carentes, crianças abandonadas, mendigos e viciados em drogas.

Não foi difícil deixar a família, amigos e o conforto dos Estados Unidos e ir para um país miserável?

O chamado do missionário é algo muito particular, não é simplesmente amor ou vontade de ajudar. O chamado é como um dom, um ministério específico. Eu e meu marido temos esse chamado. Sair do nosso país de origem foi uma grande alegria. O Senhor colocou em nossos corações a vontade de irmos para o país mais pobre do mundo.

Quais foram as maiores dificuldades na implantação do ministério Arco Íris?

Tivemos que enfrentar muita pressão e perseguição do governo socialista que então governava o país, além de grupos anti-cristãos e de terroristas. Foram oito meses de trabalho árduo para colocar o orfanato em funcionamento. pouca gente, poucos recursos. Começamos com 80 crianças e em pouco tempo chegamos a 320. Quando menos esperávamos, recebemos um comunicado do governo, dizendo que precisaríamos desocupar o prédio em 48 horas. Ficamos no olho da rua sem dinheiro, sem comida, sem lugar para dormir... Nós e mais de trezentas crianças, que poderiam ter ido para as instituições do governo e não quiseram. Só para chegar em nosso escritório, andamos com as crianças 27 quilômetros a pé. Elas me diziam: "Mamãe, queremos ficar com você e com Deus, adoramos ele". Foi muito emocionante.

Em 17 anos de trabalho, seu ministério abriu apenas três igrejas na África. Depois, numa segunda etapa e num período muito menor - três anos e meio -, conseguiu plantar centenas de congregações. O que causou tamanha diferença?

Num Congresso Catch the Fire ("Segure o fogo"), em Toronto, Canadá, em 1996, recebi uma poderosa unção do Senhor. Fiquei sete dias caída no chão com o poder de Deus. Foi estranho, mais fantástico. O Senhor me disse: "Sozinha, você não pode fazer nada. Precisa ter comunhão com meu corpo". Antes dessa experiência, estava me sentindo cansada e desanimada, queria desistir. Não de Cristo, mas da obra missionária. Queria apenas voltar para meu país e ficar quietinha. Mas o Senhor me ensinoua descansar em seus braços, confiando tudo em suas mãos e abrindo mão de fazer as coisas do meu jeito. Passei a dividir responsabilidades com irmãos que o Senhor levantou para me ajudar. Mudamos nossa organização e deixando que Deus nos orientasse. A igreja, então, cresceu rápido.

A partir daquela experiência com Deus, o que mudou no seu ministério?

O Senhor usou um pastor em profecia e disse: "Você verá mortos ressuscitando, cegos enxergando, milagres e curas". Quando retomamos nosso trabalho, cremos firmemente nessa palavra. E, de fato, Deus operou com poder. Seis pessoas, dadas como mortas, ressuscitaram, além de muitos milagres e, principalmente, curas. Tais fatos têm despertado a população não apenas de Moçambique, mas de outros países para buscar a Deus.

Então a senhora atribui o crescimento de seu trabalho a estes sinais?

É claro que os sinais foram fundamentais para o rápido crescimento da igreja, mas não mudaram nossa linha de ação. Nosso trabalho sempre foi dirigido para os órfãos, viúvas e pobres. Mas como nossas ações tem sido importantes para o país e repercutido muito, pessoas de todas as classes, inclusive as mais elevadas, são forçadas a olhar para nós sem preconceito. E muitos acabam aceitanto Jesus. Hoje, a oposição do governo já não existe. O próprio presidente da República, Joaquim Chissano, nos chamou para conversar e declarou seu apoio na mídia ao ministério Arco-Íris. Vários membros de nossas igrejas são do governo.

Além da assitência espiritual, que trabalhos sociais vocês desenvolvem?

Não acredito na divisão entre o trabalho espiritual e o social. Tudo é espiritual. Isso é bíblico. Como pregar a alguém que está morrendo de fome? Como uma criança de rua pode acreditar que Deus a ama, se você não mostrar esse amor, dando uma cama para ela dormir? Procuramos desenvolver um intenso trabalho social diário. Nas enchentes que assolaram o país nos últimos anos, temossido uma das principais organizações não-governamentais a amparar os necessitados. Além disso, temos o ministério com prostitutas, viciados e mendigos. Só de crianças, amparamos cerca de 100 mil.

Para manter tanta gente, vocês atuam também na produção de alimentos?

Iniciamos um projeto de fazendas comunitárias, que em Moçambique chamamos de machamas. Adquirimos um terreno e compramos equipamentos e sementes, dando condições para que ele seja cultivado e possa prover alimento às crianças e pessoas carentes. Dividimos as igrejas por territórios e cada grupo de 50 igrejas cuida de uma fazenda. Já temos mais de 30 em funcionamento.

Como o ministério é sustentado?

Trabalhamos pela fé, nunca ficamos pedindo dinheiro a ninguém, apenas oramos. Várias vezes não tínhamos nem o que comer. Então dobrávamos nossos joelhos e Deus mandava, até multiplicava. Quando menos esperávamos, chegava um carro, um barco e até avião com comida. Nosso sustento vem em sua maioria de pessoas, igrejas, ministérios e missões de todo o mundo, além de umas poucas empresas. Não temos qualquer ajuda governamental. Em 1999, por exemplo, Deus nos disse que deveríamos amparar e sustentar 5 mil pessoas a cada dia. Porém, tínhamos apenas 27 doláres em nossa conta. Pela fé, assumimos o compromisso com os órgãos governamentais. Mais uma vez, Deus foi fiel e proveu o suficiente. A ONU disponizou seis helicópteros de transporte, que levaram comida, remédios, enfermeiros, médicos e exemplares da Bíblia. Tivemos um grande reavivamento: em poucos meses, mais de 100 mil pessoas aceitaram Jesus.

Como é a estrutura do Ministério Íris?

Nossa organização é bastante simples. Quatro pessoas, incluindo meu marido e eu, formam a diretoria geral. Cada província tem sua diretoria regional com seis pastores, sendo um o presidente. Essas instâncias cuidam dos aspectos gerais do ministério. Além disso, há os pastores distritais e locais, que cuidam dos assuntos específicos de cada congregação.

O Ministério Íris está ligado à Viva Network, rede internacional que coordena vários ministérios, organizando e unindo suas ações. Qual a importância desse trabalho?

Este trabalho está conseguindo unir a obra missionária, e creio que é sua maior contribuição. A ação dos vários ministérios não é apenas coordenada e organizada, mas propicia uma cooperação e interação entre eles. Trocamos experiências, fazemos intercâmbio de missionários, organizamos ações conjuntas. Em Moçambique, esse trabalho garantiu, por exemplo, o sucesso da obra missionária no período das enchentes.

Muitos missionários da África Portuguesa reclamam da falta de literatura cristã. Como é a situação em Moçambique?

Infelizmente, é muito ruim. Não temos livros, hinários, CDs.. O que temos é muito pouco, quase nada. Recebemos, no máximo, Bíblias. E não adianta falar em vender a preços acessíveis. Lá, a população é muito pobre. Até para o brasileiro, é difícil compreender. Em Moçambique, nossos cultos chegam a durar até seis ou sete horas. As pessoas não tem preocupação de voltar para casa para assistir televisão, comer ou usufruir de comodidades materiais. Muitas vezes nem tem televisão, nem comida em casa, nem carro para passear e preferem buscar a Deus na igreja. É outro mundo. Temos três horas para adoração, duas para pregação, testemunhos, oração etc. Eles não reclamam. Pelo contrário, querem ainda mais.

Costuma-se dizer que o Brasil será o celeiro da obra missionária mundial. A senhora concorda?

Amém. Bem-vindos sejam os brasileiros. Creio que Deus tem um plano com o povo do Brasil, especialmente em Moçambique. E o brasileiro tem duas vantagens. A primeira é o fato de ser um povo aberto, receptivo, carinhoso. Não são frios e calculistas como muitos povos. A segunda é que já falam a língua do país, o que torna muito mais simples sua adaptação. Precisamos de pessoas, de missionários. Gente que trabalhe com louvor, ensino secular e religioso para jovens e adultos, pregação da Palavra, assistência médica e social, além de cuidar das crianças. O requisito é ter amor e interesse pela obra, além do chamado e abundância do Espírito na vida. Deus quer usar os brasileiros - basta dar lugar para o Senhor fazer sua vontade.

- extraída do site: http://www.irismin.hpg.com.br/entrevista.htm

Revista Eclésia - Número 68

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